por Paulo Azevedo, do podcast @almasculina
direção de arte e fotos @vitorvieirafotografia

Educação foi a manta no meu berço. Logo, quem me conhece sabe que cresci sob o olhar de três pedagogas. Certamente, vem daí meu apreço pelo ensino. Aliás, “educar” é cuidar, instruir, ensinar. Desse modo, cuidar pressupõe afeto, zelo, tomar conta. Ao mesmo tempo, esse princípio não parece óbvio no nosso país. Ainda assim, estamos entre os piores no ranking do PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, sendo que quatro entre 10 alunos não sabem o básico em Leitura, Matemática e Ciências.

Porém, esse direito previsto na Constituição Federal de 1988 tem desafios monumentais. Sobretudo, pelo desinteresse do Governo, que parece priorizar o dinheiro para outros setores. Afinal, em 19 meses de mandato do atual presidente, tivemos quatro ministros da educação. Recentemente, o presidente tentou barrar a renovação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), que desde 2007, é o principal mecanismo de financiamento da educação. Para se ter ideia, é responsável por 60% dos recursos destinados à educação pública no país.

Seria ainda mais desanimador abordar outros pontos desse complexo tema: salários ultrajantes dos professores, irresponsabilidade política, fraudes em todas as esferas e prédios sem infraestrutura mínima. Além disso, as defasadas grades curriculares desconectadas da vida dos alunos e um sem fim de aspectos que resultam em mediocridade. No entanto, concordamos que a escolarização de um povo é questão prioritária. Pelo menos, deveria. Certamente, sem estudo, formação e cultura não há perspectivas para uma nação. Faça as contas: um aluno que completar a educação básica, sem repetência, terá investido 10.400 horas nos bancos escolares. Sendo essa a base da vida e de toda a estrutura social, fica a pergunta: qual é o valor do ensino?

Uma matéria fundamental

Passei 11 anos na escola pública. Hoje, nela estão 82% dos 45 milhões de jovens brasileiros. Apesar de receber uma instrução voltada para o trabalho, alguns professores iam além. Ao invés, de encurtar nosso sonho, ensinavam a buscar nossa vocação. Orientavam a lidar com a vida. Ana Margarida foi uma delas. Sempre nos incentivava a traduzir por meio da arte as lições de Português. Assim, o teatro cruzava meu caminho e abria novos horizontes. Mais tarde, no curso técnico, descobri que a escola era mais que passagem. Para nós, era a estada crucial numa fase na qual as questões da sexualidade nos assolam. Eram cerca de oito horas diárias de muita teoria. Mas faltava a matéria fundamental. Algo que sempre nos exigiria prova diária.

“A questão de gênero é importante em qualquer canto do mundo. É importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente. Um mundo mais justo (…) O problema da questão de gênero é que ela prescreve como devemos ser em vez de reconhecer como somos. Seríamos bem mais felizes, mais livres para sermos quem realmente somos, se não tivéssemos o peso das expectativas de gênero”, alerta a escritora nigeriana Chimamanda Adichie no revelador “Sejamos Todos Feministas”.

Portanto, ignorar a discussão da sexualidade como elemento intrínseco à nossa formação é injustificável. Em um país laico, nem se fala. É essencial pensar sobre seus efeitos. “O modo como criamos nossos filhos homens é nocivo: nossa definição de masculinidade é muito estreita. Abafamos a humanidade que existe nos meninos, enclausurando-os numa jaula pequena e resistente. Ensinamos que eles não podem ter medo, não podem ser fracos ou se mostrar vulneráveis, precisam esconder quem realmente são – porque eles têm que ser, como se diz na Nigéria, homens duros”. O que esperar dos meninos quando adultos?

O tempo da colheita

Ainda hoje, é natural treinar os jovens para passar no ENEM. Dessa forma, muitos sabem mais teorias do que sobre como ser livre dos estereótipos de gênero, por exemplo. Ou ainda, aprender a lidar com as adversidades, a respeitar e ter curiosidade sobre o outro. É claro que vivi muitas situações difíceis na escola. Na época, o que sofri não tinha nome: bullying. Mas, aprendi muito sobre oportunidades e a importância de um plano B. Ainda mais considerando que, segundo pesquisas, cerca de 38% dos jovens, entre 15 e 17 anos, não tem a chance de estudar. Por isso, antes de falar em “meritocracia”, não ignore essa parcela dos jovens brasileiros fora da escola ou do mercado de trabalho.

Qual seria a luz no fim do túnel para os impossibilitados de sonhar? Dois documentários brasileiros dão um sopro de esperança: o sensível “Pro Dia Nascer Feliz” (2007), de João Jardim, retrata a vida de adolescentes em escolas públicas e privadas de várias cidades; e o inspirador “Nunca Me Sonharam” (2017), de Cacau Rhoden. Esse reúne relatos alunos, professores e especialistas sobre os desafios e as expectativas do ensino público no Brasil. Na jornada por oito estados, a desigualdade é tão inquestionável quanto o valor da educação.

“Educar é como uma tamareira: você planta agora para alguém colher os frutos daqui há 100 anos”, relata emocionado um dos professores. Me lembrei de cada aluno de teatro que tive das periferias de BH e São Paulo. Hoje, alguns são profissionais da arte. Me emociono por ter sido um instrumento transformador para muitos jovens. Inevitável terminar a sessão desses filmes sem lágrimas ao ver tantos devotos da mudança no nosso país.

Trailer do documentário “Nunca Me Sonharam” (2017) / créditos: Maria Farinha Filmes e Video Camp/divulgação.

Por dentro dos muros da escola

Se engana quem pensa que é só aqui que a educação pública vive seus dramas. É o que revela o filme francês “Entre os Muros da Escola” (2009), de Laurent Cantet. Premiado com a Palma de Ouro de Cannes e indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, o longa é baseado no livro da história real do professor François Bégaudeau. François foi convidado para interpretar a si mesmo revivendo os desafios em uma sala de aula na periferia de Paris. O filme se torna um reflexo relevante do quanto o interior de uma escola é um microcosmo da sociedade. Tudo está interligado. Certamente, gastaríamos menos em segurança pública, presídios e até em saúde se déssemos mais atenção ao que se passa por trás desses muros.

Inclusive, a vivência das escolas serve de inspiração para muitas obras de ficção. Filmes como: “Sociedade Dos Poetas Mortos”, “O Professor Substituto” e “Meu Adorável Professor” são alguns deles. Além disso, esse universo também é um prato cheio para as séries de TV. Ao que parece, a eclosão hormonal dos jovens com o rigor da estrutura de ensino rende boas histórias. Mais recentemente Sex Education, 13 Reasons Why, “Elite”, “Boca a Boca” e The Politician são provas dos recortes possíveis.

Da Espanha, vem o sucesso Merlí. A série com 40 episódios retrata um professor de filosofia que usa métodos pouco ortodoxos. O fio condutor de cada episódio se baseia nas ideias de algum pensador ou escola filosófica. Ainda que divida opiniões, Merlí faz de tudo para incentivar seus alunos (e nós, espectadores!) a pensarem livremente. Assim, deixa não só a filosofia, como o conhecimento, mais próximos de todos os públicos.

Pôster da série “Merlí” (2015) /créditos: TV3 e Netlix/divulgação.

Sociedade do Conhecimento

O Brasil não ficou de fora dessa onda. “Segunda Chamada”, do GloboPlay, é outro exemplo. E não deve nada às produções estrangeiras. Com roteiro e elenco impecáveis, mostra os desafios da educação em uma escola de ensino noturno para jovens e adultos. Os educadores não são heróis. Ao contrário, gente de carne e osso, com seus dilemas tão reais quanto dos alunos. Essa humanidade compartilhada expõe o quanto é tão almejada uma possível normalidade nessa estrutura.

Na constante corda bamba da luta pela sobrevivência, todos são mestres e querem mais que o mínimo. Nisso, criam uma espécie de “sociedade do conhecimento”, na qual sempre há algo de novo a acrescentar. Mais uma vez, reconheço na tela os inúmeros privilégios que tive. Contar com a formação e o incentivo, dentro e fora de casa. Ter mestres sensíveis às necessidades dos alunos, extrapolando qualquer grade. Fazendo jus ao que prevê o trecho do artigo 205 da Constituição: “… Visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Então, volto a perguntar: qual é o valor do ensino? Felizmente, sou incapaz de responder. Sabe por quê? Não consigo separar ser quem sou de toda a formação que recebi. “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”, afirmou o mestre da educação, Paulo Freire. Ampla. Humana, com todas as possibilidades de falhas. Extrapolando qualquer divisão de matérias para alcançar a completude do que é ser humano. Sendo assim, minha resposta imediata seria: educar vale o futuro. O meu. O seu. Vale o possível mundo que podemos ter pela frente.

Cena da série “Segunda Chamada” / Crédito: Maurício Fidalgo/TV Globo

PS: Você conhece o Video Camp? É uma plataforma online gratuita que reúne filmes com potencial de impacto que podem ser exibidos por qualquer pessoa. O catálogo é muito variado e com títulos que apontam causas urgentes e que ampliam o nosso olhar para temas sensíveis. É uma iniciativa sensacional!

Paulo Azevedo (@pauloazevedooficial) é ator e comunicador, idealizador do podcast almasculina .

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