por Paulo Azevedo, do podcast @almasculina
direção de arte e fotos @vitorvieirafotografia

Prazer, vergonha, culpa, vício e hipocrisia. Imediatamente, essas são apenas algumas palavras associadas à pornografia. Assim como em qualquer indústria, a pornografia é um negócio que vai além do entretenimento. As promessas de prazer podem gerar um custo tão alto tanto para seus usuários quanto para aqueles (em especial, àquelas) que trabalham nesse meio. Se por um lado vemos nosso Estado laico ceder às imposições de fundamentalistas neopentecostais em prol da “família brasileira”, impedindo qualquer avanço na educação sexual de nossos jovens; por outro, pesquisas apontam que a pornografia é a iniciação sexual da maioria dos meninos, cujo primeiro contato com esse tipo de conteúdo se dá por volta dos 12 anos.

Dados de canais gratuitos de pornografia revelam muito sobre a cultura e o comportamento de um país. Por exemplo, somos um dos países que mais mata transexuais no mundo. No entanto, somos uns dos que mais consome esse tipo de categoria no mainstream, tão buscado quanto o de “lésbicas”, “anal”, “ménage” e hentai. Aliás, esse último se tornou uma febre na última década. Hentai, em japonês, retrata um desejo ou ato sexual perverso. Internacionalmente, é usado para o gênero de pornografia de anime e mangá.

Portanto, ainda é um tabu abordar esse assunto numa sociedade amplamente pautada por valores judaico-cristãos. Já falei aqui na coluna sobre os bastidores e os efeitos de muito do que consumimos. Por exemplo, o que nos alimenta, reverbera não somente em nosso corpo, mas também no planeta inteiro. O mesmo ocorre com as nossas roupas e aparelhos eletrônicos. Por trás da breve satisfação de uma compra, pode estar uma indústria que gera enormes danos ambientais ou explora mão de obra, inclusive infantil em regiões e países mais desfavorecidos. Com a pornografia não é diferente. Sendo assim: o que está por trás da pornografia?  

fotos @vitorvieirafotografia

De onde viemos?

A história da pornografia remete há 2.500 anos, em Atenas, quando os gregos adoravam representações de sexo e nudez. Na época, era comum ver estátuas de corpos definidos nas ruas e vasos com pinturas eróticas nas casas. Para os homens, havia concursos com mulheres nuas. No teatro, Aristófanes escreveu “Lisístrata”, na qual a protagonista convocava uma greve de sexo enquanto durasse a Guerra do Peloponeso. Mas o primeiro registro do termo “pornográfico” foi nos diários de uma cortesã, em que Luciano narra histórias sobre prostitutas e orgias. Aliás, a palavra pornographos significa “escritos sobre prostitutas”. Na segunda metade do Século XIX, a fotografia e a máquina de impressão tornaram a pornografia popular por meio de fotos e livros ilustrados com modelos nuas. De lá pra cá, entre a pressão religiosa e as incansáveis censuras, esse tipo de entretenimento sobreviveu e se adaptou.

Criado numa família extremamente religiosa, me lembro do primeiro contato com sexo. Meus primos alugaram uma fita VHS escondido dos pais. Mais tarde, descobri, o “Cine Privê”, na TV Band, que exibia filmes eróticos nas madrugadas de sábado. No banheiro da escola, os garotos se estapeavam para compartilhar as revistas baratas, com fotos de mulheres nuas. Enquanto isso, ouvia na catequese: “Cobiçar a mulher do próximo é pecado”. Imagino que esse era tema central das confissões dos meninos na Igreja. Além disso, minha mãe me presenteava com o best sellers “De Onde Viemos?”, publicado pela primeira vez em 1984. Fiquei mais chocado com as horríveis ilustrações do que com a “revelação” proposta pelo título desse clássico “salva-vidas” de muitos pais. A essa altura, eu já sabia que não tinha sido trazido por uma cegonha, muito menos encontrado por um gato no lixo.

fotos @vitorvieirafotografia

A pornografia é vilã?

Quem cresceu nos anos 80 e 90, sabe que os limites eróticos eram muito relativos na TV. Quem não se lembra da Gretchen cantando e dançando “Conga, Conga, Conga” no programa do Bozo? Ou a Xuxa, impaciente com as crianças, amparada pelas Paquitas com shorts brancos apertados? Tinha ainda as “Garotas Molhadas” e a famosa “Banheira do Gugu”, na qual convidados, em roupas de banho, digladiavam por sabonetes numa banheira? Era de virar a cabeça de qualquer beata! São muitos aspectos relacionados ao tema. Da moralização em torno das sexualidades, que gera tamanha omissão e desinformação; a objetificação da mulher, a cultura de estupro e a deturpação da percepção dos homens sobre a relação com o próprio corpo e das/os/xs parceiras/os/xs. Penso se não seria melhor ter aprendido mais sobre a minha sexualidade com meus pais do que na internet…

Ao realizar uma rápida busca pelo assunto, no Spotify, é possível encontrar abordagens muito distintas: podcasts com pastores trazendo fórmulas para se evitar esse “pecado” ou a aplicação de hipnose para livrar-se desse vício até mulheres expondo os males para ambos gêneros. O Mamilos #188, “A pornografia é vilã?”, traça um amplo panorama. Perspectivas de quem faz e consome estão lá. Assim, traz dados impressionantes de 2018: 76% dos consumidores de pornografia no Brasil são homens; 58% são jovens de até 35 anos; 49% são da classe B (média alta); e 68% são casados ou estão namorando. Em relação à formação, 49% têm ensino médio e 45% o ensino superior. Esse retrato se relaciona, diretamente com o acesso da população à internet, no país. O episódio ainda destaca os benefícios como: o estímulo à imaginação, maior conhecimento da anatomia, quebra de tabus e compartilhamento de desejos e fantasias com o par.

Episódio #188 do podcast Mamilos / créditos: B9/divulgação.

Perdas e Danos

No entanto, aponta estudos de 2016 do psiquiatra Kevin Majeres, da Universidade Harvard (EUA), que mostram como a pornografia afeta o cérebro masculino. São muitos os efeitos do consumo excessivo, prejudicando a diferenciação entre a realidade da ficção. Com isso, muitos têm um aprendizado deturpado do sexo, vício em masturbação e consequente prejuízo à vida social ou resistência em estabelecer vínculos afetivos. Além disso, são impedidos de realizarem-se no dia a dia devido à comparação neurótica com os corpos incomuns, as performances atléticas, na qual não existe perda de ereção, ejaculação precoce ou qualquer outro imprevisto comum numa relação a dois ou mais parceiros.

“A pornografia agudiza a habitualização, pois extingue totalmente a alteridade. Seu consumidor nem sequer possui um contraponto sexual. Assim, ele habita o palco do um. Da imagem pornográfica não parte qualquer resistência do outro ou também do real. Pornográfica é precisamente a falta de toque e de encontro com o outro, a saber, é o toque autoerótico de si-mesmo, e a autofeição, que protege o ego do toque alheio ou do ser capturado. Assim, a pornografia fortalece o processo de narcisização do si-mesmo. O amor, enquanto evento, enquanto ‘palco de dois’, é ao contrário des-habitualizante e des-narcisizante. Provoca uma ‘ruptura’, um ‘buraco’ na abertura do habitual e do igual”, alerta o filósofo e ensaísta sul-coreano Byung-Chul Han em “Agonia do Eros” (Editora Vozes).

Capa do livro “Agonia do Eros”, de Byung-Chul Han / créditos: Editora Vozes/divulgação.

“Monsanto da pornografia”

Como em qualquer coisa na vida, o uso e abuso têm seus efeitos colaterais. Até mesmo, o sexo. É esse o ponto de partida do perturbador Shame (Vergonha), filme de 2011, dirigido por de Steve McQueen. Nele, Brandon (Michael Fassbinder) é um cara bem-sucedido de Nova York. O sexo é a saída para todos os seus problemas de relacionamento, o que o torna um amante incontrolável e inconsequente. Mesmo numa sociedade como a nossa, na qual ser Don Juan é o maior sinal de virilidade, ao conhecermos Brandon de perto vemos que essa realidade pode ser desoladora.

“Sexo vende”, como explora e demonstra muito bem a publicidade. Mas também rende boas histórias no cinema (e muitos sets de filmagens controversos!). Só pra citar algumas: “O Império dos Sentidos” (1976); “De Olhos Bem Fechados” (1999); “Ninfomaníaca – Volumes I e II” (2013); “Perdas e Danos” (1992); “Nove e Meia Semanas de Amor” (1986); e “Proposta Indecente” (1993). Porém, se filmes como Boogie Nights – Prazer Sem Limites” (1997) e “Lovelace” (2013) mostraram um pouco da vida de quem atua no mainstream da pornografia sabe que a realidade é bem mais complexa.

Principalmente, após 2006, com a chegada dos “tubes”, canais gratuitos de conteúdo com difícil controle etário. Com isso, os profissionais e produtoras da pornografia se tornaram reféns de um cartel mafioso, uma espécie “Monsanto da Pornografia”. É isso que mostra o documentário “Pornocracia – As Novas Multinacionais Do Sexo” (2017), dirigido por Ovidie. Caso você consuma um dos 100 bilhões de vídeos pornôs disponíveis no mundo todos os anos, saiba que cerca de 95% é pirata. Ou seja, provavelmente, você alimenta a MindGeek, um cartel dono dos maiores canais, envolvido em lavagem de dinheiro, ameaças de morte e máfias do mundo todo.

Trailer do filme “Shame”/ créditos: Paris Filmes / Divulgação.

Conversas sem contraindicação

Com tamanho poder, a lei do silêncio impera. Mas deixa rastros visíveis. As principais vítimas são as mulheres que acabam ganhando metade do dinheiro que ganhavam antes de 2006. Até a live cams (transmissões ao vivo) sofreram com essa Uberização: as modelos chegam a atender virtualmente 200 a 300 clientes por dia, ficando 60 a 70% com as agências. Inclusive, uma dessas agências ganha cerca de 305 milhões de dólares por ano com essa exploração. A lógica neoliberal conseguiu um resultado que nem inúmeros políticos tentaram pela “defesa da tradicional família e dos bons costumes”. 

“O capitalismo acentua a pornagrifização da sociedade, expondo e exibindo tudo como mercadoria. Ele não conhece nenhum outro uso da sexualidade. Profana o eros em pornografia (…) O obsceno na pornografia não reside no excesso de sexo, mas no fato de não ter sexo. A sexualidade não se vê ameaçada por aquela ‘razão pura’ que evita o sexo, antiprazerosamente, como algo sujo, mas pela pornografia; a pornografia não é sexo em espaço virtual. Mesmo o sexo real se transforma hoje em pornografia”, constata Byung-Chul Han.

Diante de tudo isso, cabe a cada usuário compreender os próprios limites do que lhe dá prazer e alegria. No caso dos pais, maior busca de informação e desmitificação sobre o tema ao abordar com os filhos é uma boa saída. Conversas esclarecedoras nunca tiveram contraindicação. A convidada do quadro “Lugares Comuns”, a psicóloga e sexóloga Ana Canosa, dá boas dicas nesse sentido no episódio #14 do almasculina. Sobretudo, que a sociedade compreenda a importância da desmoralização do sexo e do prazer, parte fundamental da nossa identidade e da nossa saúde como um todo. Assim, seremos mais abertos e conscientes para entender o que nos é saudável ou não, sem moralismos.

fotos @vitorvieirafotografia

PS:

Recentemente, recebi um post no @almasculina de uma mulher relatando a diferença na relação sexual com um homem que consumiu pornografia desde a adolescência e outro que nunca havia consumido esse tipo de conteúdo. E você? Já vivenciou algo do tipo? Saberia diferenciar, independente do gênero, as sutilezas no sexo de quem consome ou não pornografia?

Paulo Azevedo (@pauloazevedooficial) é ator e comunicador, idealizador do podcast almasculina.

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