por Paulo Azevedo, do podcast @almasculina
direção de arte e fotos @vitorvieirafotografia

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Ultimamente, tenho pensado muito sobre certas amarras. Certas tralhas que carregamos na bagagem ao longo da vida. São sentimentos, crenças, ideias sobre o próprio corpo e o comportamento. Aos poucos, somos convencidos que tudo isso faz parte do nosso pensamento. Porém, de tempos em tempos, é preciso revisar os nós. Onde aperta, o que é apoio ou mera bengala, quais vínculos ainda fazem sentido pra nós. Inevitavelmente, agimos em função de dois princípios básicos: fugir e buscar prazer. Com isso, nos apegamos às pessoas ao redor, expectativas sobre o amor, nos apoiamos no trabalho, fazemos planos, cronometramos a rotina etc. Por isso, a sensação que o tempo está “passando” rápido demais ou “Estou sempre na correria!” tornaram-se clichês contemporâneos. Enquanto isso, no fundo, todos, sem exceção, desejam ter maior espaço para desfrutar do que lhe é caro, com liberdade.

No início da pandemia, senti um pouco essa urgência de olhar pra dentro. Ou seja, aproveitar o baque no alucinante ritmo mundial e perceber o que essa catástrofe poderia ensinar. Ao invés de naturalizarmos o “modo autoconhecimento”, um caminho doloroso, mas crucial praqueles que buscam crescimento na nossa curta passagem; adotamos, por impulso, o “modo autoproteção”. Infelizmente, esse último não descarta toda a poeira jogada para debaixo do tapete ao longo dos anos. No entanto, muitos homens ainda acreditam que a reflexão e a compreensão de si, seja algo estritamente ligado ao universo feminino. Apesar disso, o ponteiro do relógio segue, o corpo envelhece e as relações se transformam. Assim, as nossas projeções muitas vezes emperram ou portas tão ansiadas não se abrem. O que está por trás disso? Quais são suas amarras?     

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Imersão

As várias conversas para o podcast almasculina tem me trazido um conhecimento muito precioso. Praticamente, todos, são aplicáveis à rotina. Só de ouvir a palavra “mudança”, muito de nós já sentem o aperto no coração e a tensão nos ombros. Mesmo desejando, nosso “crítico interno” não dá descanso para determinados aspectos que queremos mudar. No entanto, a procrastinação, a urgência das tarefas cotidianas e o medo de olhar para antigas amarras sempre tomam a dianteira. O episódio #22 (no ar dia 26/09) do almasculina traz uma certa esperança. A conversa com o psiquiatra, neurocientista e escritor Diogo Lara é encorajadora. Recentemente, seu livro “Imersão – Um Romance Terapêutico” estreou na lista dos mais vendidos. A obra ficcional é fruto de anos de pesquisa sobre práticas da psicologia e da neurociência.

Por meio da jornada de um grupo de brasileiros orientados por um terapeuta, nos identificamos com diversas situações. Nelas, é nítido perceber o quanto negligenciamos a autoestima em prol da aceitação e o julgamento alheios. Por outro lado, é assustador perceber como nós, humanos, temos tamanha semelhança quando o assunto são as marcas da nossa primeira infância. É incrível como nossas escancaradas antenas de criança absorvem dados e registram informações que moldam nossa visão de mundo ao longo da vida. Não se trata de psicologismo barato, muito menos autoajuda: ao longo da leitura, deparamos com pesquisas científicas, citação de diferentes práticas com resultados comprovados no processamento de memórias e traumas.

Capa do livro “Imersão”, de Diogo Lara – Editora Harper Collins/divulgação.

O crítico interno

“O que o ‘eu crítico’ faz muito bem é nos encher de mais culpa e reprovação. Ele é o protagonista do modo de autodestruição. O problema é que um ‘eu crítico’ implacável produz o estresse da agressividade do agressor e, como o alvo somos nós mesmos, sentimos também a dor do agredido. Quem sofre é o organismo por inteiro, porque as regiões do cérebro ligadas a ‘luta ou fuga’ são acionadas e os hormônios de estresse são liberados. No caso do autoflagelo psicológico, estamos em ‘luta e fuga’ ao mesmo tempo, uma espécie de auto abuso emocional. Existe, porém, outro caminho: encontrar a sintonia interna para nos lapidarmos, por meio do autoconhecimento e da vontade de evoluir, que é da essência do ser humano”, alerta um dos trechos do livro.

Está tudo aqui, nas memórias impressas em nosso corpo. Por exemplo, sabe quando a boca seca, a garganta aperta, a língua trava numa apresentação de um projeto no trabalho ou antes de um ator entrar em cena? Provavelmente, é um indício daquele dia quando você escreveu uma palavra errada na lousa na escola e sofreu bullying dos colegas. A mente humana necessita de conexão, somos seres gregários. Muito além dos nossos códigos genéticos, somos fortemente influenciados pela cultura que nos cerca. Estudos apontam que 50% da personalidade é herdada e a outra metade vem do ambiente.

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Autoestima

Pense na sua relação com o dinheiro. Talvez tenha ouvido dos seus pais “Meu dinheiro não é capim!” ou “Mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que entrar no reino dos céus!”. Pois bem. Muitas vezes a sua noção de merecimento dessa energia, fruto do seu trabalho, é interrompida, justamente, por esse emaranhado de conceitos familiares arraigados. Agora, pense no seu corpo. Os homens, em especial, crescem com a ideia de que o tamanho do pênis é fator primordial para a uma boa performance sexual. Desde cedo, no vestiário da escola, quando os primeiros pêlos mal surgiram ou a voz ainda está em transição, já sofrem com a comparação dos colegas. São frutos de uma cultura falocêntrica jogando pesado contra os garotos.

Aliás, já abordamos isso aqui. Inclusive, como a pornografia é a principal porta de entrada para a descoberta do prazer, parte fundante da nossa identidade. Independente da sua orientação sexual, é surpreendente como essas imagens inconscientemente acentuam nosso “juiz interno”, interferindo nas nossas relações. Particularmente, a sociedade patriarcal dá créditos imediato aos homens, logo que chegamos ao mundo. Nisso, as mulheres são sujeitas a se impor aos padrões de beleza, lidando com a exclusão da maioria (pra não dizer, todos!) dos espaços de poder. Por trás de tudo isso, está a autoestima. Mesmo desgastada ao longo do tempo, ela é um bem precioso. É a nossa capacidade de gostar de si mesmo, após uma autoanálise, possíveis fracassos ou rejeições. Estar bem consigo, muito além dos nossos feitos.

Documentário “Quanto tempo o tempo tem” (2015) – Créditos: Netflix

Apego ao tempo

Voltando aos homens. Somos treinados a existir socialmente em função das conquistas e da performance, em todas as áreas. Recentemente, inclusive no quesito beleza e jovialidade. No país da juventude, todos somos assolados pela gerontofobia. Segundo pesquisas, nove de cada dez brasileiros têm medo de envelhecer. Isso, pode chegar ao ponto de se tornar a síndrome que define aversão ou medo patológico de pessoas idosas ou do processo de envelhecimento. Que atire a primeira pedra quem nunca disse “Não tenho idade pra isso!” ou não surtou com o surgimento dos primeiros fios brancos e rugas.

O tempo é rei, independente da cultura e da época. Portanto, é emocionante conhecer diversas perspectivas sobre seus efeitos em nós. Essa convenção humana para lidar com o incontrolável movimento da vida é o tema do documentário “Quanto Tempo o Tempo Tem” (2015), dirigido por Adriana L. Dutra e codigirido pelo incrível fotógrafo Walter Carvalho. O longa traz olhares diversos sobre a questão do tempo e da falta dele no mundo contemporâneo. As reflexões de personalidades como a Monja Coen e o físico e astrônomo Marcelo Gleiser ampliam nossas percepções.  

Cena do filme “A Partida” (2008) – Créditos: Shochiku/divulgação.

Amarras do passado

Imediatamente, pensar no tempo remete às relações e à finitude. Assim, me recordo de um outro filme, o japonês “A Partida” (2008), de Yojiro Takita, ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2019. É uma fábula extremamente poética e esteticamente impecável sobre a passagem da vida e nossas amarras. Na trama, um violoncelista aceita um emprego acreditando se tratar de uma agência de viagens. No entanto, é surpreendido ao descobrir que se trata de uma agência funerária. Seu trabalho será preparar o corpo dos mortos para a viagem final. Cada “cliente” revisita seu passado na tentativa de realizar sonhos esquecidos. Ainda me impressiona o despreparo do Ocidente para essa nossa única certeza: a morte.

Quantas desculpas criamos para justificar nossos receios de lidar com tantas feridas, tampadas por curativos. Uma vez, um padre amigo da família disse: “Diante das nossas chagas, temos duas opções: raspar até o osso para vir o sangue novo e cicatrizar desde a raiz; ou esconder as lesões. Nesse caso, elas continuarão lá”. Lembra do “modo autoconhecimento”? Então, o almasculina tem sido esse “raspar até o osso” pra mim. Um espaço afetivo de conteúdos compartilhados nessa direção para gerar algo novo em mim.

Podcast “jornada da Calma” – Créditos: Veja São Paulo / divulgação.

Prazerosa busca constante

Nisso, descubro livros, filmes, podcast e até novos aplicativos. O mais recente, foi o Cíngulo, desenvolvido pelo Diogo Lara com o também psiquiatra Gustavo Ottoni. Em 2019, foi eleito como o melhor aplicativo pelo Play Store, do Google. É uma plataforma de saúde emocional de terapia guiada para ansiedade, estresse, autoestima, enfim, funciona como um poderoso suporte. Baixado por mais de 1,5 milhão de pessoas no Brasil, é uma boa ferramenta, em especial, aos impossibilitados ou resistentes à terapia cognitiva-comportamental, fica o convite: faça uma experiência gratuita e depois me conte.

Nessa busca, também tenho tido o prazer de acompanhar as conversas realizadas pela jornalista Helena Galante no podcast “Jornada da Calma”. Estão lá temas relacionados à saúde emocional, que, no mínimo, vão ampliar seu olhar sob aspectos básicos da vida. De relacionamentos, luto, raiva, tristeza, entre outros assuntos, que podem lhe ajudar a trazer serenidade para o seu cotidiano. Em tempos de pandemia, cuidar-se é prescrição fundamental. Mais uma vez, autoconsciência é a via para lidar com as próprias amarras e aliviar as dores no percurso. Ainda que doa, não me vejo seguindo por outro caminho para encontrar um versão atualizada e aperfeiçoada de mim mesmo.

PS: a partir deste mês, a coluna será quinzenal. Aproveite para colocar a leitura das anteriores em dia e indique aos amigos para que a nossa conversa chegue a mais gente!

Paulo Azevedo (@pauloazevedooficial) é ator e comunicador, idealizador do podcast almasculina .

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