Com o coveiro, filósofo e cronista Osmair Camargo Cândido, o Fininho, e a participação especial da psicanalista, escritora, jornalista Maria Rita Kehl

O episódio #54 – Parte 1 do @almasculina traz o coveiro, filósofo e cronista Osmair Camargo Cândido, o Fininho, (@candidoosmair), que fala sobre sua rica história de vida, masculinidades e diversidade, educação e política brasileiras, os efeitos da pandemia… Sempre relacionados à sua visão sobre as masculinidades.

A psicanalista, escritora, jornalista e integrante da Comissão Nacional da Verdade (2012-14) Maria Rita Kehl (@mariaritakehl.oficial) é a nossa convidada no “Lugares Comuns”, quadro que dá voz a especialistas, gente que pesquisa e entende muito do assunto, explicando termos, conceitos e ampliando a nossa visão sobre tópicos mais específicos.

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– Ouça aqui o episódio na íntegra:

– Assista à gravação na íntegra no nosso canal no Youtube!

ASPAS

“A história do coveiro filósofo”, por Osmair Camargo Cândido, em depoimento a Camille Lichotti, publicado na Revista Piauí:

“Assim que a pandemia começou, eu já estava escolhendo o samba que ia tocar no meu enterro. Não consegui decidir. Meu preferido sempre foi Aldir Blanc, e eu senti muito a morte dele, foi muito difícil. Todo mundo estava morrendo de Covid-19 e eu tinha certeza de que ia morrer também. Afinal, era eu quem pegava os caixões. Nós, coveiros, não tínhamos EPI [equipamentos de proteção individual] nem vacina, então a gente trabalhava improvisando. Eu fazia os sepultamentos com as mãos tremendo de pavor. Tanto que tomava cinco, seis banhos por dia. Minha vida virou um inferno desde então. Pior mesmo é quando chega o nome do falecido e eu reconheço que era um vizinho ou amigo. Já enterrei muitos amigos por Covid-19 e cada vez que eu via um deles ir embora sentia que o mundo diminuía um pouco. Minha capacidade de entendimento também diminuiu. Mas eu levo comigo um mote da filosofia kantiana: a minha liberdade está no cumprimento do meu dever. Sou sepultador, eu tenho de sepultar. Não há mais nada que possa ser feito. Eu posso lamentar, me sentir amargurado, triste e despedaçado, mas tenho de sepultar. A vida de um coveiro parece simples, mas não é. 

Saiu no Washington Post uma linha de dezenas de coveiros sepultando ao mesmo tempo no cemitério da Vila Formosa. Para você ver só, a gente saiu até no Washington Post. Teve também um coveiro jovem que desmaiou de cansaço, tinha uns vinte e poucos anos. Foi um pesadelo e ainda é. Por causa do risco, a gente só coloca as pessoas dentro da cova, não tem enterro propriamente dito. É mais um descarte. Perto da cova fica só a gente enterrando e, do outro lado, fica a família desesperada, pedindo para a gente não levar aquele parente. O que mais me marcou foi quando eu tive que pegar o caixão da mão de uma mãe. Ela não queria largar, queria que eu abrisse para ter certeza de que era o filho dela mesmo, mas eu não podia. Ela falou assim para mim: ‘Moço, não faz isso. Aí dentro tá meu sonho, minha vida’, e começou a gritar. Era um rapaz de no máximo 20 anos e tinha morrido de Covid. Ali deu vontade de largar tudo e ir embora pra casa. Foi um dos piores dias da minha vida. 

A gente não podia ter contato com ninguém dentro de casa, então cheguei a dormir do lado de fora, igual a um cachorro. Isso tudo mexe com a nossa cabeça. De vez em quando ainda sonho com essas coisas. Hoje eu tenho apoio psicológico, então eu consigo lidar melhor com isso. Mas ninguém se habitua à morte. A morte é seca, quase impenetrável. E a gente não conversa sobre ela. O pior é que minha atividade basicamente não pode ser prazerosa. Nunca pode dar origem à alegria. Ela dói e dói muito. Eu já chorei muito nessa pandemia, acho que eu sou um dos coveiros mais chorões. A gente tem que se segurar no trabalho, mas às vezes não dá. Esses dias eu lembrei do primeiro serviço que eu fiz de coveiro, foi um bebê. Peguei ele da mão da mãe e ela tremia tanto. Pediu para eu dar de volta. O cara que estava me ensinando na época falou para eu não fazer isso. Ele disse: “Depois que você pega um caixão, você só pode soltar ele na cova.” Achei muito desumano, mas é nosso trabalho.

Durante a pandemia, no lado de fora do cemitério havia filas e filas de carros de funerária. Eu me arrepiava todo. Foi coisa de assombrar, é um trabalho que cansa mentalmente, psicologicamente. Não é pra qualquer um. Aqui onde eu trabalho, no cemitério da Penha, são oito coveiros, em média. A gente já chegou a enterrar doze pessoas por dia durante a pandemia, e com a equipe reduzida a quatro pessoas. É muita coisa. Eu chego para trabalhar de manhã, abro o cemitério, mas não sei que horas vou sair, pode ser até depois de oito da noite. Chegaram a colocar holofote para a gente enterrar as pessoas à noite, de tanto que estão morrendo”.

ESCUTA AQUI

Osmair Camargo Cândido (@candidoosmair) indicou:

– Filme “Cronicamente Inviável”(2000), de Sérgio Bianchi:

Acompanhe a dificuldade de sobrevivência mental e física de seis personagens em meio ao caos da sociedade brasileira, que atinge a todos independentemente da posição social ou da postura assumida;

– Filme “Meu Nome Não é Jhonny”(2008), de Mauro Lima:

João Guilherme Estrella é um jovem da classe média que se torna o rei do tráfico de drogas da zona sul do Rio de Janeiro. O rapaz inteligente e adorado pelos pais passa a ser investigado pela polícia e enfrenta a dura realidade de um criminoso. Disponível no Prime Video;

– Filme “Cidade de Deus”(2002), de Fernando Meirelles:

Buscapé é um jovem pobre, negro e sensível, que cresce em um universo de muita violência. Ele vive na Cidade de Deus, favela carioca conhecida por ser um dos locais mais violentos do Rio. Amedrontado com a possibilidade de se tornar um bandido, Buscapé é salvo de seu destino por causa de seu talento como fotógrafo, o qual permite que siga carreira na profissão. É por meio de seu olhar atrás da câmera que ele analisa o dia a dia da favela em que vive, onde a violência aparenta ser infinita. Disponível no GloboPlay;

– Filme antiga Atlântida com Grande Otelo, Zé Trindade, Costinha, entre outros;

– Livro “Teogonia – A Origem dos Deuses”, de Hesíodo (Editora Iluminuras):

Hesíodo (VIII-VII a.C.), junto com Homero, é o mais antigo poeta grego cujas obras chegaram a nós. Em Teogonia – A origem dos deuses, podemos contemplar a excepcional tradução de Jaa Torrano que inclui um brilhante ensaio introdutório, desenvolvido a partir de seus estudos a respeito do pensamento religioso grego;

– Livro “Uma Teoria da Justiça”, de Jhon Raws (Editora Martins Fontes):

Este é o livro em que Rawls procura explicar essas ideias, as quais, a seu ver, expressam nossas convicções intuitivas acerca do primado da justiça. Os princípios de justiça que ele propõe são os que qualquer pessoa livre e racional aceitaria caso se encontrasse numa posição inicial de igualdade. Desde que foi publicado pela primeira vez, em 1971, uma teoria da justiça já foi traduzido para 23 línguas. A partir de 1975, as traduções passaram a incluir as revisões feitas pelo autor ao original em inglês. A nova edição inglesa, que serviu de base para esta tradução, incorpora todas essas revisões, que, na opinião do autor, melhoraram significativamente o livro, especialmente nas partes que tratam da liberdade e dos bens primários. No Prefácio à Edição Revista, tais revisões são discutidas em detalhe;

– Livro “Dom Quixote”, de Cervantes (Editora Penguin):

Dom Quixote de La Mancha não tem outros inimigos além dos que povoam sua mente enlouquecida. Seu cavalo não é um alazão imponente, seu escudeiro é um simples camponês da vizinhança e ele próprio foi ordenado cavaleiro por um estalajadeiro. Para completar, o narrador da história afirma se tratar de um relato de segunda mão, escrito pelo historiador árabe Cide Hamete Benengeli, e que seu trabalho se resume a compilar informações. Não é preciso avançar muito na leitura para perceber que Dom Quixote é bem diferente das novelas de cavalaria tradicionais – um gênero muito cultuado na Espanha do início do século XVII, apesar de tratar de uma instituição que já não existia havia muito tempo. A história do fidalgo que perde o juízo e parte pelo país para lutar em nome da justiça contém elementos que iriam dar início à tradição do romance moderno – como o humor, as digressões e reflexões de toda ordem, a oralidade nas falas, a metalinguagem – e marcariam o fim da Idade Média na literatura.

Mas não foram apenas as inovações formais que garantiram a presença de Dom Quixote entre os grandes clássicos da literatura ocidental. Para milhões de pessoas que tiveram contato com a obra em suas mais diversas formas – adaptações para o público infantil e juvenil, histórias em quadrinhos, desenhos animados, peças de teatro, filmes e musicais -, o Cavaleiro da Triste Figura representa a capacidade de transformação do ser humano em busca de seus ideais, por mais obstinada, infrutífera e patética que essa luta possa parecer;

– Obras de Homero, Hegel, entre outros filósofos;

– Livro “O Melhor de Nelson Rodrigues: Teatro, contos e crônicas” (Editora Nova Fronteira):

O melhor de Nelson Rodrigues faz parte de uma coleção que apresenta grandes autores da literatura brasileira a partir de seus textos fundamentais, aqueles que todos deveriam conhecer. Aqui estão reunidos lado a lado o dramaturgo que revolucionou o teatro nacional, o maior frasista de todos os tempos, o comentarista fanático por futebol e pelo Fluminense, e também o contista implacável dos dilemas morais do subúrbio carioca. Todas essas facetas ― e outras mais ― estão representadas nesta antologia por uma de suas mais famosas peças, O beijo no asfalto, por alguns dos conhecidíssimos contos de A vida como ela é… e pelas crônicas esportivas e políticas.

Paulo Azevedo (@pauloazevedooficial) indicou:

– Série “Segunda Chamada” (2019-21) – 2a temporada, direção geral Joana Jabace:

Na 2a temporada, novos alunos se juntam ao grupo, carregando seus dramas pessoais e também uma imensa vontade de vencer. A realidade no novo ano letivo é mais preocupante do que o habitual e o baixo número de matrículas ameaça, inclusive, a existência do curso noturno. Com uma nova configuração, novos conflitos entre os alunos vêm à tona. Afinal, faz-se necessário exercitar a tolerância e o respeito dentro dos muros do colégio.

“Segunda Chamada” não é para os fracos. A nova temporada fala de violência contra a mulher, capacitismo, homofobia e desigualdade social, sem esquecer das mazelas da educação –e tudo isto, com uma certa dose de melodrama. Feminicídio, preconceito contra indígenas, pessoas em situação de rua e portadores de deficiência… Entre muitos outros temas permeiam situações que reforçam os desafios e o poder da educação. Mesmo assim, as autoras Carla Faour e Julia Spadaccini nunca tornam o prato indigesto: há sempre um raio de esperança, mesmo nas situações mais desalentadoras. Pode-se dizer que elas até pegaram leve com o grupo de moradores de rua, em que não há nenhum deficiente mental ou viciado em drogas, tão frequentes na vida real. Disponível no Globoplay;

– Série “Merlí – Sapere Audi” (Merlí – Ouse Saber – 2019) – 1a temporada, criada por Héctor Lozano:

Após a morte de Merlí, Pol Rubio começa a estudar Filosofia na Universidade de Barcelona, enquanto seu relacionamento com Bruno se fortalece. Pol fará novos amigos, novos colegas, e novos professores além de ter que enfrentar conflitos em seu novo estágio estudantil, sua família complicada e seu novo relacionamento com Bruno Bergeron, neste caminho até se tornar um professor de Fiosofia. Disponível na HBO MAX;

–  Série “Sociedade do Cansaço” (2021), direção geral de Patrick Hanser:

Baseada no livro homônimo de Byung-Chul Han, a série documental “Sociedade do Cansaço” aborda em  dez episódios, como chegamos a esse ponto de cobrança e o que podemos fazer a respeito. Em um mundo onde o desempenho saiu da esfera exclusiva do trabalho, o descanso é visto como ineficiência e o indivíduo é considerado o único responsável pelo seu sucesso, quais são os efeitos dessa lógica? Para aprofundar a reflexão acerca dessa temática, cada episódio gira em torno de assuntos atuais como trabalho, internet, lazer, padrão estético, remédio, sono, relacionamento, consumo, positividade tóxica e segurança. A série conta com entrevistas com especialistas como Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro, e Maria Homem, psicanalista, professora e pesquisadora, que fazem análises e questionamentos sobre os temas, além de depoimentos de personalidades que já foram afetadas por esses assuntos. Disponível no GNT e Globoplay. Vale também ler o livro homônimo que deu origem à série, indicado aqui no Aspas do episódio #11 e ouvir o episódio #322 do podcast Mamilos “O que é sociedade do cansaço?”, disponível em diversos agregadores de podcast.

almasculina é feito por:

Idealização, roteiro, edição e apresentação: Paulo Azevedo (@pauloazevedooficial).

Trilha sonora original e mixagem: Conrado Goys (@conza01).

Identidade visual e arte: Glaura Santos (@glaurasantos).

Fotos: Vitor Vieira (@vitorvieirafotografia).

Realização: Comcultura (www.comcultura.com.br).

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