por Paulo Azevedo, do podcast @almasculina
direção de arte e fotos @vitorvieirafotografia

A primeira frase para ocupar este espaço gagueja. Não sai. Só de pensar em abordar o medo já travo, dá um branco           Que coisa! Talvez eu tenha receio de ser enfadonho e gastar seu precioso tempo aqui com banalidades. Esse sentimento traz consigo uma variedade tão grande de sensações. Angústia, ansiedade, pânico. Aliás, medo e angústia, em alemão, são palavras femininas e têm o mesmo termo: angst. Se não me engano, a origem latina é anguere que significa apertar, sufocar. Freud explica.

Pra uns, pode ser causado pela altura, um raio, ficar no escuro, de andar de carro ou avião. Outros, pelo inesperado encontro com um inseto, um bicho ou uma alma penada. Nestes tempos que vivemos, do pavor da fome, da brutal violência do Estado, de perder algum familiar ou pessoa próxima. E a lista segue infinita, sempre relacionada ao nosso pavor da finitude.

No entanto, é o temor que nos dá a noção de limite. Quando pequenos, nossos pais nos alertavam: “Olhe para os dois lados antes de atravessar a rua”. “Não coloque a mão no fogo”. “Não passe cerol na linha da pipa”. Pense aí todos avisos que escutou na infância.  

O que pesa a mochila?

No caso dos meninos, esse estado afetivo ao se sentir ameaçado, traz outras tantas preocupações. Certamente, mais um substantivo masculino que pesa na mochila dos moleques. Ou seja, “não chore”, “não seja fraco”, “não brinque de boneca”, “não dance”… Todos estão lá, junto com a merendeira e os cadernos. Em resumo, a construção do “ser masculino” parte da ideia de negação a tudo que se aproxime do feminino.

É claro que as meninas crescem com muitas restrições. Ou melhor, inúmeras. O simples fato de nascerem mulher em uma sociedade extremamente patriarcal já é um peso suficiente. Por outro lado, os opostos do medo também estão ali, junto dele. Por exemplo, a coragem que a vulnerabilidade permite. Essa última, foi uma recente descoberta. Na verdade, trouxe enorme alívio tê-la no vocabulário. Mas como lidar com as marcas limitantes da infância sobre quem, o que e como devemos ser?     

Sobre as primeiras cicatrizes

Já parou pra pensar nos efeitos das nossas primeiras “cicatrizes”? Segundo pesquisas, estar diante dos outros atinge uma parcela enorme de pessoas em todo mundo. Diante disso, surgem sintomas e consequências: sudorese, gagueira, dar “branco”, perda de oportunidades que poderiam mudar a carreira e os relacionamentos… Ainda de acordo com os especialistas, tudo isso ocorre por conta do apavoramento da rejeição, de não ser amado, de se descobrir inapto para tal posição etc.

Compreenderam? Quanto do nosso passado ainda está presente aí! Enfim, essas ojerizas podem se desdobrar em desapontamento, solidão, abandono e fobia de parecer ridículo.

Os dois cavalos

Uma vez, me disseram que eu tinha dois cavalos nas mãos: o da coragem e o do medo. Se soltasse demais o cavalo “Coragem”, corria o risco de ser demasiado arrogante, pouco empático com as pessoas. Ao contrário, se o cavalo “Medo” tomasse às rédeas, passaria a vida sendo um covarde. O segredo estaria em equilibrar o manejo dos dois. Naquele instante, fiz uma viagem no tempo. Imediatamente, fui parar nos meus primeiros anos escolares. Vindo da classe média, estudei em ótimas escolas públicas. Porém, ser violento era sinônimo de ser forte. O líder da turma. Ali, a diversidade de realidades impunha o uso de muitos recursos. Certamente, a gentileza e o afeto não eram os mais valorizados.

Diante disso, lembro de filmes com narrativas contadas pela visão de garotos. “Cinema Paradiso”, “Central do Brasil”, “Os Incompreendidos”, “Valentin”, “O Menino Que Fazia Rir”… Só pra citar alguns. No entanto, um dos que assisti este ano toma minha memória. “JoJo Rabbit”, dirigido por Taika Waititi, vencedor no Oscar como Melhor Roteiro Adaptado deste ano. Apesar de se passar na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, o longa retrata percalços que muitos de nós enfrentamos na infância. As cenas na qual o pequeno JoJo e seu amigo Yorki tentam integrar um grupo pró-nazista são algumas delas. Por mais que ele busque na imaginação uma fuga da dura realidade, é inevitável escapar ileso… Até mesmo do despertar amoroso.

Cena do filme “JoJo Rabbit” / créditos: Fox Searchlight / divulgação.

Um árduo caminho

Muitas vezes me senti como ele. Em inúmeras situações, apelei para a ingenuidade tentando ignorar as ofensas. Hoje, penso que foi uma estratégia viável diante das constantes provas de resistência. Com o passar do tempo, a perda da inocência parece um dos altos preços da vida adulta. Embora seja uma interessante transição: a tomada de consciência. Melhor dizendo, é como se o foco da sua atenção mudasse de perspectiva. Então, compreendemos que nossos atos têm consequências. E que muitas das ditas “impotências” podem se tornar um instrumento poderoso da nossa humanidade.

Nesta jornada, busquei avaliar os antigos pesos da minha “mochila”. Infelizmente, percebi que alguns “objetos infantis” tinham evoluído. Enfim, a dura mensagem “não seja considerado um fraco” tinha tomado novos formatos. Além de muitas vergonhas: de fracassar, de estar errado e ser criticado.

A “mochila” deles

No caso dos meninos, reconhecer e nomear as sensações pode ser um árduo caminho. Sobretudo, aqueles que não investem tempo e energia numa busca interior mínima. Muitos crescem estimulados ao oposto disso. Inclusive, estimulados pelo mercado de trabalho por uma incessante busca de sucesso. Com isso, passam a vida com uma estreita visibilidade das situações e da vida em si. Como se colocar no mundo sem saber minimamente de si? Até falei sobre a necessidade desse autocuidado na coluna anterior. Sendo assim, começar pelo seu corpo pode ser uma boa porta de entrada, mais “palpável”.

Busquei (e continuo!) em leituras, cursos e podcasts um conhecimento que me faltava. Quer dizer, algo mais sobre esse nosso humano. Ainda que existam muitos preconceitos, foi na seção de “Autoajuda/Autoconhecimento” que encontrei uma preciosidade. Na verdade, sempre achei curioso esse termo. O prefixo auto não significa “faça você mesmo”? Logo, por mais que o conteúdo traga mil dicas sobre o que fazer, como alcançar isso ou aquilo… É você, leitor, quem bota a mão na massa!

Capa do livro “A Coragem de Ser Imperfeito: Como Aceitar a Própria Vulnerabilidade, Vencer a Vergonha e Ousar Ser Quem Você É”, de Brené Brown /
créditos: Editora Sextante/divulgação.

O poder da vulnerabilidade

Então, numa dessas visitas às livrarias, deparei com o livro “A Coragem de Ser Imperfeito: Como Aceitar a Própria Vulnerabilidade, Vencer a Vergonha e Ousar Ser Quem Você É”, da pesquisadora e professora da Universidade de Houston (EUA), Brené Brown. Há décadas, ela explora o básico da conexão humana: nossa habilidade de sentir empatia, pertencer e amar. Também indiquei essa publicação no episódio #3 do almasculina, com o Paulo Pederneiras, diretor artístico do Grupo Corpo.

“… Quando ousamos grandemente nós cometemos erros e nos decepcionamos várias vezes. Haverá fracassos, equívocos e reprovações. Se quisermos ser capazes de avançar em meio às duras decepções, aos sentimentos de ingratidão e às tristezas, que são inevitáveis em uma vida plena e bem vivida, não poderemos achar que os revezes são provas de que somos indignos de amor, de aceitação e de alegria. Se fizermos isso, nunca nos mostraremos nem tentaremos de novo”, afirma Brown.

Uma pista preciosa pra rever as críticas e autojulgamentos excessivos que muitas vezes impedem nossas melhores ações. Em especial, aos pais que sempre compartilham aflições sobre como educar seus garotos, o capítulo final é um verdadeiro tratado. Vale muito a pena ler!

Além disso, é dela a comovente e divertida palestra TED Talks “O Poder da Vulnerabilidade”, vista por mais de 48 milhões de visualizações no Youtube. Em um formato similar, porém mais amplo, vale também conferir o documentário “Brené Brown: Um Chamado Para a Coragem” (“Brené Brown: Call to The Courage), disponível na Netflix.

Salto para o desconhecido

Portanto, aceitação de nossa humanidade é uma poderosa via para lidar com nossas incertezas. Ao olhar para a minha criança, logo vem à mente “compaixão”. Não foi à toa. A origem latina quer dizer sofrimento comum. Apesar de todas as apreensões e dúvidas, reconheço a alegria e o afeto que busco preservar ainda hoje em mim. O que me leva a outro filme. Certamente, está na lista dos que mais assisti nos cinemas na época.

“Filhos do Paraíso”, do Majid Majidi, é sensibilidade pura. Principalmente, por abordar a infância, em meio às adversidades sociais e políticas, de forma única. A história é simples: Ali perde os sapatos de sua irmã, Zahra. A partir daí, seguimos sua jornada na tentativa de conseguir um novo calçado para ela. Nesse percurso, nos damos conta das dores originais que nossos primeiros anos de vida trazem. O tal peso nas costas. Da mesma forma, podem ser nosso melhor encanto. Impulso para o salto rumo ao desconhecido diário que é a vida.   

Trailer do premiado filme “Filhos do Paraíso” / créditos: Miramax/divulgação.

PS: O canal da psicanalista Maria Homem tem um rico conteúdo para aprofundar no assunto. Sugiro começar pelo “Medo e Angústia”, de 24 de abril deste ano. E será um prazer saber quais outros filmes passaram aí pela sua cabeça!

Paulo Azevedo (@pauloazevedooficial) é ator e comunicador, idealizador do podcast almasculina .

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