Com o ator e homem trans Bernardo de Assis e a participação especial do professor e pesquisador Fábio Mariano da Silva.

O episódio #26 do almasculina” traz uma conversa com o ator e homens trans Bernardo de Assis O professor e pesquisador Fábio Mariano da Silva (@fabioms08) é o nosso convidado no “Lugares Comuns”, quadro que dá voz a especialistas, gente que pesquisa e entende muito do assunto, explicando termos, conceitos e ampliando a nossa visão sobre tópicos mais específicos.

Ouça aqui o episódio na íntegra:

– Assista à gravação na íntegra e o LUGARES COMUNS, com o Fábio Mariano da Silva, no nosso canal no Youtube!

– Confira a nossa coluna quinzenal no nosso blog!

ASPAS

Artigo “Dicas para pessoas Cis que se relacionam com pessoas Trans e ou não binárias”, de Ana Paula Fernandes, publicado na New Order no Medium

“Sexo (biológico e sua derivação jurídica), é determinado pela inspeção visual de imagens eletrônicas de fetos e pessoal de recém-nascidos. Geralmente, é masculino ou feminino. Para a esmagadora maioria das pessoas é só o que se faz. Exames de cariótipo, hormonais e dos órgãos internos são feitos apenas se há problemas de saúde ou reprodutivos, bem mais tarde.

Quando falamos em Gênero, falamos de pacotes de definições (em uma determinada sociedade), associados a cada um dos sexos. São os comportamentos, gostos, expressões, expectativas, e sexualidade esperados de um indivíduo de determinado sexo. Esses pacotes variam tanto geograficamente quanto no tempo, na História. Esses pacotes são, em português chamados de ‘Homem’ e ‘Mulher’. O Binário de Gênero é então, a ideia (ou ideologia, se preferir) de que apenas existem dois gêneros, homem e mulher.

Pessoas (homens e mulheres) podem ser cisgêneras ou transgêneras (ou cis e trans, simplesmente). Cis são aquelas cujo gênero autopercebido é o mesmo que lhe foi designado. Trans são aquelas cujo gênero autopercebido não é o mesmo que lhe foi designado. Ou seja, estes termos são adjetivos para os gêneros Homem e Mulher. Mas algumas pessoas trans, não se percebem como parte do outro gênero do binário (considerando que juridicamente só é possível designar as pessoas em dois sexos, e portanto, gêneros). Essas são as Pessoas Não Binárias. Assim como não existem duas pessoas exatamente iguais, existe um sem número de maneiras de uma pessoa não binária vivenciar interna e externamente, seu gênero.

Então, considerando que homens e mulheres (cis ou trans) vivenciam seus gêneros de formas diferentes, assim como as pessoas não binárias, podemos dizer de forma geral que ao falar de gênero, falamos de: Homem, Mulher e Não Binário. Pessoas não binárias que tem em alguma medida importante (para elas), afinidade com um dos gêneros binários, podem usar os adjetivos ‘transfeminina’ ou ‘transmasculina’. Elas não são homens ou mulheres, mas na sociedade binária, tem mais afinidade com esses gêneros”.

ESCUTA AQUI

Bernardo de Assis indicou:

Série “The Vow” (2020), deJehane Noujaim e Karim Amer:

Série documental que revela todos os detalhes mais sinistros sobre o culto sexual NXIVM, que envolve a atriz Allison Mack de Smallville. Após uma série de investigações, o grupo foi acusado de ser uma seita que praticava crimes sexuais, extorsão e manipulação, contando ainda com a participação de pessoas famosas e influentes.Disponível na HBO.

Livros “Viagem Solitária – Memórias de um Transexual 20 anos Depois” e, “Velhice Transviada”, de João W. Nery:

“Viagem solitária” conta a história de João W. Nery, o primeiro transexual masculino de que se teve notícia no Brasil. Especialmente dedicado a todas as pessoas que se reinventam para achar um lugar no mundo, narra a infância triste e confusa do menino tratado como menina, a adolescência transtornada, iniciada com a “monstruação” e o crescimento dos seios que fazia de tudo para esconder , o processo de autoafirmação e a paternidade. São muitos os personagens dessa história: de Darcy Ribeiro, considerado seu mentor intelectual e um dos primeiros amigos a compreenderem-no, a Antônio Houaiss, que, sendo um grande defensor das liberdades democráticas, recomendou seu primeiro livro para publicação, Erro de pessoa: Joana ou João?, do qual foi prefaciador. História de dramas, incompreensões e lutas, Viagem solitária é um livro tecido de dor e de coragem e que anuncia, talvez, um mundo menos solitário para os “diferentes”, para aqueles que não se enquadram entre as maiorias… Primeiro transgênero masculino brasileiro, João W. Nery percebeu como era difícil envelhecer como trans no Brasil: quem sobrevive apresenta um longo histórico de traumas e tem muitos desafios pela frente. As reflexões e memórias sobre o que chamou “velhice transviada” são seu último trabalho, finalizado pouco antes de falecer, em 2018. Leitura imprescindível. Falar de velhice é difícil, sobretudo quando ela é transviada. O psicólogo, escritor e ativista dos direitos humanos João W. Nery constatou que, no Brasil, essa população ― constantemente vítima fatal do ódio ou do descaso ― não tem direito à longevidade. Por isso, decidiu escrever sobre os “transvelhos”, termo que criou para se referir aos transexuais e travestis que conseguiram ultrapassar a marca dos 50 anos.

João sempre foi um pioneiro. Em plena ditadura militar, foi o primeiro transgênero masculino brasileiro a passar por cirurgia de redesignação sexual, aos 27 anos. Obrigado a tirar uma nova documentação para conseguir trabalhar, teve que inventar um expediente: alegou ter dezoito anos e querer servir às Forças Armadas. Deu certo. Renasceu como João, mas perdeu seus registros anteriores, incluindo os diplomas de psicólogo e professor. Com o tempo, se tornou uma referência nos debates públicos e acadêmicos sobre gênero e sexualidade, participando ativamente de uma onda que, pouco a pouco, começava a quebrar preconceitos até então muito arraigados em nossa sociedade. Neste livro, que traz prefácio de Jean Wyllys, João relata o que passou para chegar a ser um transvelho. Também dá voz, por meio de entrevistas, a outros transidosos, na segunda parte destas memórias.

– Paulo Azevedo indicou:

Documentário “Revelação (2020), de Sam Feder:

Com produção executiva da atriz e ativista Laverne Cox (Sophia Burset em Orange Is The New Black), o documentário busca traçar um panorama da representatividade trans durante os últimos 100 anos da indústria cinematográfica e televisiva norte-americana a partir dos relatos de personalidades que trabalham no setor. Muito além de simplesmente apontar lacunas e erros grosseiros de grandes produções cinematográficas na representação destes personagens, o documentário revela os maiores e constantes estereótipos aos quais pessoas transgêneros costumam ser reduzidas. É uma grande, didática e poderosa aula de história obrigatória não apenas para os cinéfilos, mas para qualquer um que goste e consuma minimamente a cultura pop.

Série “Pose” (2018), criada por Ryan Murphy, Brad Falchuk e Steven Canals:

Com o maior elenco transgênero da história da televisão, Pose aborda o universo LGBTQ+ em uma das séries mais representativas dos últimos anos. A série se passa no finalzinho dos anos 1988 e, tal como o documentário Paris Is Burning, segue a comunidade LGBT+ com foco na cultural ball. As balls  eram competições feitas em discotecas, geralmente organizadas por drag queens. Nessas competições, as candidatas caminham pelo salão desfilando looks que precisam ter a ver com o tema escolhido na noite. A maioria dos participantes das balls fazia parte de “casas”, lideradas por “mães”, que forneciam não apenas um teto, mas proteção e educação. Marginalizados pela sociedade e pelos próprios pais, que geralmente os expulsava após descobrirem que eram gays, essas pessoas encontravam na comunidade o amor que precisavam. As balls eram uma forma de resistência. Pose mergulha no histórico e na importância desses bailes até hoje e também vai reverter toda a sua renda para a comunidade, financiando projetos de educação e saúde, como combate ao HIV. Representatividade de verdade. Disponível na Netflix.

Filme “Uma Mulher Fantástica” (2017), de Sebastián Lelio:

Filme chileno que arrebatou o Oscar de melhor filme estrangeiro, feito inédito para o país e para longas protagonizados por pessoas transgêneros, traz a história de Marina (Daniela Vega). Ela é uma garçonete transexual que passa boa parte dos seus dias buscando seu sustento. Seu verdadeiro sonho é ser uma cantora de sucesso e, para isso, canta durante a noite em diversos clubes de sua cidade. O problema é que, após a inesperada morte de Orlando (Francisco Reyes), seu namorado e maior companheiro, passa a lidar com suspeitas, discriminação e mais injustiças.  Filme necessário para entender e refletir sobre o que se passa grande parte da comunidade trans ainda hoje. Disponível no Amazon Prime Video.

Filme “Tomboy” (2012), de Céline Sciamma:

Laure é uma menina de 10 dez anos, mas ela sempre se sentiu um moleque. Ao mudar com a família para um outro bairro, ela então resolve se apresentar como Mickäel para os novos amiguinhos. Porém, apesar de parecer um menino como os outros, Mickäel é diferente o suficiente para despertar a paixão de Lisa, uma garota da turma. Nessa sua crescente conexão com a amiga Lisa, Laure arrisca-se a explorar os limites de sua nova identidade. O longa conquistou vários prêmios e está disponível no Telecine e na AppleTV.

LUGARES COMUNS com o Fábio Mariano da Silva sobre “Transgêneros e Masculinidades”.

Paulo Azevedo: “Na conversa com a cartunista Laerte, no episódio 5, ela comentou sobre o preconceito em algumas alas do feminismo em relação às mulheres trans, crossdresser etc. Existe o mesmo nas articulações das masculinidades em relação aos homens trans, homossexuais e outras minorias políticas?”

Fábio Mariano da Silva: “Existem, existem. Porque como a gente diz aqui, as masculinidades muitas vezes elas acabam reproduzindo, elas acabam essencializando as discussões e quando elas essencializam, elas acabam fazendo uma coisa que é se preocupar mais comigo do que necessariamente comigo, com o outro, com o entorno e assim por diante, então isso vai acontecer. Os homens vão criando barreiras, que são barreiras de dificuldade em torno de entender essas outras possibilidades. E essas possibilidades não são universais, então quando você fala assim, um homem de um homem trans gay, na cabeça de muitas pessoas isso é quase que impossível, como é, já não basta ser trans, já não basta… você não reivindicar a heterossexualidade como uma norma possível, você ainda vai exercer uma sexualidade que é subalternizada, uma masculinidade gay, uma masculinidade bissexual, e assim por diante. Esse preconceito, ele é um preconceito que vai acontecer. Ele acontece muito escancaradamente, porque há grupos que se reúnem em que esses marcadores sociais são simplesmente proibidos de participar. Mas é preciso entender que a gente tem que avançar nessas discussões e avançar nessas discussões significa se despir desses preconceitos e de preconceitos que vão fazer que você exclua ao invés de abrir possibilidades, senão o que vai acontecer, você continua acordando com um padrão universal e você continua excluindo as pessoas. Qual é o tipo de sociedade que você vai formar quando você exclui, é um tipo de sociedade que ela já está fraturada porque você continua perpetuando esse tipo de sociedade e a gente precisa romper essa barreira de preconceito que você diz que ele existe, ele existe de maneira muito acentuada, de homens que não pactuam com determinadas masculinidades que eles consideram menos viris, menos homens assim por diante”.

Paulo Azevedo: “O que essas pessoas mais reclamam para você?”

Fábio Mariano da Silva: “Marcadores sociais eles são marcadores que te excluem de determinadas redes. Então das redes de trabalho, de saúde, de saneamento, de educação, assim por diante, mas também de exclui das redes de sociabilidade, afetividade da prática de afetividades. O intuito desse discurso universal civilizatório, é desumanizar qualquer tipo de masculinidade que não seja a masculinidade padrão, que não seja uma masculinidade dada pela biologia, então, quando você faz isso, você essencializa o discurso, você exclui essas pessoas das rotas, você diz o seguinte: você nasceu homem, porque você nasceu com um pênis, não! Você nasceu mulher, porque você nasceu com seios e vagina, embora o seio se forme com o tempo e tal, mas você nasceu com vagina. Então você vai refutar qualquer pessoa que fuja daquela regra. Por isso que homens trans e mulheres trans são tão excluídas dos meios sociais e das redes de acesso ao afeto, ao emprego e assim por diante há uma solidão que permeia esses grupos, muitas vezes isso vai acontecer também com o homem trans, porque vai dizer que ele não é um homem completo, como se a completude se desse única e exclusivamente pela genitália. Do ponto de vista biológico. Do ponto de vista do machismo, patriarcado, a mulher é o corpo incompleto, é o homem invertido, no século XVIII, do ponto de vista sexual, sempre vai dizer o que, a mulher é o homem invertido, é por isso que os homens gays, antigamente, eram chamados de homens invertidos eles tinham jeito de mulher, eram afeminados por causa do trejeito, daí as pessoas falavam, olha lá o invertido, porque ele era comparado sempre a uma mulher, que era a imperfeição. Você é educado para constituir relações, que são relações sem desejo, porque, porque como se você nunca fosse digno, porque como se você nunca fosse passível de receber amor, ou de receber afeto e assim por diante. A sociedade sempre vai agir com um tipo de economia, de sentimentos para esses grupos. Por exemplo sou um homem cisgênero, me reconheço como tal, mas eu sempre trabalhei com homens e mulheres transexuais, no próprio Transcidadania. E é um grupo ao qual eu sempre tenho uma atenção especial, se eu vou dizer assim voltar o meu olhar no exercício do direito, olha gente, precisamos pegar nas mãos das travestis, que estão sendo mortas antes dos 35 anos, a gente precisa garantir que essa vida se estenda e tenha direito a viver, que tenha direito a uma vida como eu tenho. Mais a gente precisa falar para os nossos, precisa falar para os homens que a gente tem que romper determinados fotos, senão o que vai continuar acontecendo é que mulheres serão excluídas, pessoas negras serão excluídas, LGBTQI+ serão excluídas e assim por diante. Ninguém quer mexer no privilégio”.

almasculina é feito por:

Idealização, roteiro, edição e apresentação: Paulo Azevedo (@pauloazevedooficial)

Trilha sonora original, e mixagem: Conrado Goys (@conza01)

Identidade visual e arte: Glaura Santos (@glaurasantos)

Fotos: Vitor Vieira (@vitorvieirafotografia)

Realização: Comcultura.

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