Com o jornalista, fotógrafo e consultor de masculinidades, raça e gênero Ismael dos Anjos e a participação especial do professor e pesquisador Fábio Mariano da Silva.

O episódio #27 do almasculina” traz uma conversa com o jornalista, fotógrafo e consultor de masculinidades, raça e gênero Ismael dos Anjos (@ismaeldosanjos) fala sobre paternidade, racismo, projetos, treinamento emocional… Sempre relacionados à sua visão sobre as masculinidades.

O professor e pesquisador Fábio Mariano da Silva (@fabioms08) é o nosso convidado no “Lugares Comuns”, quadro que dá voz a especialistas, gente que pesquisa e entende muito do assunto, explicando termos, conceitos e ampliando a nossa visão sobre tópicos mais específicos.

Ouça aqui o episódio na íntegra:

– Assista à gravação na íntegra e o LUGARES COMUNS, com o Fábio Mariano da Silva, no nosso canal no Youtube!

– Confira a nossa coluna quinzenal no nosso blog!

ASPAS

– Artigo “Saúde mental também é (ou deveria ser) coisa de homem”, de Ismael dos Anjos, publicado no Elástica Oficial:

Enquanto parte das expressões emocionais de vulnerabilidade e empatia são restritas — do tradicional “homem não chora” à falta de repertório saudável para as demonstrações de amor e carinho —, algumas poucas são estimuladas. É socialmente aceitável que raiva ou agressividade sejam respostas legítimas para os homens em momentos tão variados quanto situações de angústia, frustração, tristeza, ansiedade ou medo. Divulgado em março deste ano, o Gender Social Norm Index, estudo realizado em 75 países incluindo o Brasil, aponta que 28% das pessoas ainda acredita que é justificável um homem bater na companheira.

As dores que os homens causam estão intrinsecamente relacionadas às dores que eles sentem. Não por acaso, umas das ferramentas bem sucedidas no combate à violência contra as mulheres no Brasil são os grupos reflexivos que colocam homens autores de violência para conversarem periodicamente com psicólogos e outros profissionais. Prevista pela Lei Maria da Penha nacionalmente e colocada em prática por projetos como o Tempo de Despertar, em São Paulo, essa pena alternativa mitiga a reincidência dos crimes. Na experiência paulista comandada pela promotora Gabriela Manssur, os índices saíram dos 65% e chegam a até 2%.

“Os homens têm muita dificuldade de lidar com a saúde mental porque é muito difícil para um homem se colocar nesse lugar de vulnerabilidade e pedir ajuda. A saúde física não diz respeito à nossa personalidade. Eu posso ter algum tipo de doença, como hipertensão, e nem por isso me considero errado. A saúde mental traz uma carga de sofrimento diferente, de não conseguir sair da cama ou não ter motivação suficiente para viver. Fala dessa parte do que somos nós”, aponta Piamonte. “São muitos os elementos que compõem o suicídio, mas os números apontam que ele afeta mais os homens porque a resposta perante o fracasso, a resposta perante a dor, depende muito da carga emocional, do treinamento emocional que a gente tem. E o treinamento emocional no homem é bem rudimentar”.

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Ismael dos Anjos indicou:

– Livro “O Feminismo é para Todo Mundo: Políticas Arrebatadoras”, de Bell Hooks:

O feminismo sob a visão de uma das mais importantes feministas negras da atualidade. Eleita uma das principais intelectuais norte-americanas, pela revista Atlantic Monthly, e uma das 100 Pessoas Visionárias que Podem Mudar Sua Vida, pela revista Utne Reader, a aclamada feminista negra Bell Hooks nos apresenta, nesta acessível cartilha, a natureza do feminismo e seu compromisso contra sexismo, exploração sexista e qualquer forma de opressão. Com peculiar clareza e franqueza, Hooks incentiva leitores a descobrir como o feminismo pode tocar e mudar, para melhor, a vida de todo mundo. Homens, mulheres, crianças, pessoas de todos os gêneros, jovens e adultos: todos podem educar e ser educados para o feminismo. Apenas assim poderemos construir uma sociedade com mais amor e justiça.O livro apresenta uma visão original sobre políticas feministas, direitos reprodutivos, beleza, luta de classes feminista, feminismo global, trabalho, raça e gênero e o fim da violência. Além disso, esclarece sobre temas como educação feminista para uma consciência crítica, masculinidade feminista, maternagem e paternagem feministas, casamento e companheirismo libertadores, política sexual feminista, lesbianidade e feminismo, amor feminista, espiritualidade feminista e o feminismo

– Livro “Memórias da Plantação: Episódios de Racismo Cotidiano”, de Graba Kilomba:

Memórias da Plantação é uma compilação de episódios cotidianos de racismo, escritos sob a forma de pequenas histórias psicanalíticas. Das políticas de espaço e exclusão às políticas do corpo e do cabelo, passando pelos insultos raciais, Grada Kilomba desmonta, de modo incisivo, a normalidade do racismo, expondo a violência e o trauma de se ser colocada/o como Outra/o. Publicado originalmente em inglês, em 2008, Memórias da Plantação tornou-se uma importante contribuição para o discurso acadêmico internacional. Obra interdisciplinar, que combina teoria pós-colonial, estudos da branquitude, psicanálise, estudos de gênero, feminismo negro e narrativa poética, esta é uma reflexão essencial e inovadora para as práticas descoloniais.

– Livro “Necropolítica”, de Achille Mbembe:

Neste ensaio, propus que as formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte (necropolítica) reconfiguram profundamente as relações entre resistência, sacrifício e terror. Tentei demonstrar que a noção de biopoder é insuficiente para dar conta das formas contemporâneas de submissão da vida ao poder da morte. Além disso, propus a noção de necropolítica e de necropoder para dar conta das várias maneiras pelas quais, em nosso mundo contemporâneo, as armas de fogo são dispostas com o objetivo de provocar a destruição máxima de pessoas e criar “mundos de morte”, formas únicas e novas de existência social, nas quais vastas populações são submetidas a condições de vida que lhes conferem o estatuto de “mortos-vivos”. Sublinhei igualmente algumas das topografias recalcadas de crueldade (plantation e colônia, em particular) e sugeri que o necropoder embaralha as fronteiras entre resistência e suicídio, sacrifício e redenção, mártir e liberdade.

– Livro “Sobrevivendo no Inferno”, dos Racionais MC’s:

Na virada para os anos 1990, os Racionais MC’s emergiram como um dos mais importantes acontecimentos da cultura brasileira. Incensado pela crítica, o disco Sobrevivendo no inferno vendeu mais de um milhão e meio de cópias. Agora publicados em livro, precedidos por um texto de apresentação e intermeados por fotos clássicas e inéditas, os raps dos Racionais são a imagem mais bem-acabada de uma sociedade que se tornou humanamente inviável, e uma tentativa radical, esteticamente brilhante, de sobreviver a ela.

–  Documentário “Chico Rei Entre Nós” (2020), da Joyce Prado:

Chico Rei foi um rei congolês escravizado que lutou pela liberdade —a sua e a de seu povo— durante o Ciclo do Ouro em Minas Gerais. A história desse personagem é o ponto de partida para explorar os diversos ecos da escravidão brasileira na vida dos negros de hoje, entendendo seu movimento de autoafirmação e liberdade a partir de uma perspectiva coletiva.

– Documentário “Chega de Fiu-Fiu” (2018), de Amanda Kamanchek e Fernanda Frazão:

Por meio de imagens coletadas por câmeras escondidas, acompanhe o dia a dia de três mulheres com vidas distintas, vendo como a violência de gênero é constantemente praticada no espaço público urbano. Especialistas discutem o assunto, buscando encontrar respostas e alternativas para a uma questão fundamental: se as cidades foram feitas para as mulheres.

– Indicou ainda os perfis e podcasts: Silvio de Almeida, Balaio de Pais, Papo de Homem, Ressignificando Masculinidades,  Prazer Ele, Leonardo Piamonte (Psicologia da Paternidade), Prof. Fábio Mariano da Silva e Rafa Rios.

– Paulo Azevedo indicou:

Documentário “Precisamos falar de assédio” (2016), de Paula Sacchetta:

Durante a semana da mulher, uma van-estúdio para em nove locais de São Paulo e do Rio de Janeiro para coletar depoimentos de mulheres que já foram vítima de algum tipo de assédio. O filme traz 27 dos 140 relatos de mulheres, de 15 a 84 anos, retratando as diferenças e semelhanças sobre a violência que sofrem todos os dias, em casa, no ambiente de trabalho ou nas ruas. Sem qualquer interlocução, acompanhamos um desabafo, sendo que muitas falam sobre isso pela primeira vez. Disponível no Video Camp e no Prime Video da Amazon.

Série “This is US” (20160-2020), criado por Dan Fogelman:

A premiada série, que chega à 5ª temporada, apresenta a história de três pessoas nascidas no mesmo dia, dois homens e uma mulher. A trama navega entre os anos 1980 e os dias atuais da Família Pearson, mostrando a infância de cada uma delas em contraste com a vida adulta, marcada por uma grande tragédia familiar. Disponível no Prime Video da Amazon e na Fox.

Série “Afronta!” (2020), dirigida por Juliana Vicente:

A série lança luz sobre a potente juventude negra brasileira contemporânea que contam suas trajetórias e oportunidades geradoras da sua constituição como indivíduo e expressadas pelos seus trabalhos. São 26 episódios de 13 minutos, com convidados diversos, como os cineastas da produtora Filmes de Plástico, Gabriel Martins e André Novais, Ingrid Silva, Lineker, entre muitos outros. Disponível na Netflix.

Podcast “Balaio de Pais”:

Podcast que se reúnem para falar, compartilhar, ouvir e refletir sobre a paternidade e todos os seus desafios, erros e acertos. As rodas de conversa extrapolam os cuidados com as crianças e abordam transformação individual, coletiva e social, por meio da visão de homens/pais. Em especial, sugiro começar pelos episódios 30 (Cuidado), 29 (Criação antirracista) e 24 (Masculinidades). Vale muito a pena!

LUGARES COMUNS com o Fábio Mariano da Silva sobre “Marcadores Sociais e Masculinidades”:

Paulo Azevedo: “Marcadores sociais são importantes porque dão visibilidade e trazem à tona a discussão de pautas que antes não tinham tanto espaço na sociedade. Por exemplo, eu digo isso, com relação às masculinidades, mesmo. Eu vejo que tem grupo de masculinidades negras, masculinidades homossexuais brancas, masculinidades trans, enfim, uma série de…quase que caixinhas, dentro dessa caixa que está todo mundo querendo desfazer. Coletivos voltados para temas mais e para recortes muito específicos você sente que esses grupos acabam fechando em si e, assim, evitando uma troca maior para apontar problemas estruturais, como racismo e misoginia e homofobia que interferem na vida de todo mundo? Como é que você percebe isso?”

Fábio Mariano da Silva: “Porque as masculinidades, elas precisam ser repensadas. Porque o cuidado, ele sempre foi o quê? Ele sempre foi relegado às mulheres. São as mulheres que cuidaram do espaço doméstico, da educação dos filhos, sobrinhos, assim por diante. Esse cuidado, também foi um cuidado, que se reverteu naquelas coisas que foram se tornando públicas. E esse cuidado, é um cuidado que quando o homem deixou de se responsabilizar, ele acabou influenciando no modo como a gente se relaciona com o nosso meio. E, o nosso meio foi ficando descuidado, por quê? Porque o homem estava preocupado com a política e as relações de poder, ele se descuidou, por exemplo, das relações afetivas, comigo, com as mulheres, com a sociedade. E hoje a gente tem uma Mata Atlântica queimada, hoje a gente tem aí uma Amazônia, por exemplo, que está sendo destruída, por quê? Por uma ação que é dada pelo patriarcado, porque o patriarcado é ali, uma das raízes do capitalismo. Ele foi predatório, ele barbarizou, por exemplo, as relações dentro das nossas sociedades. Muitas vezes eu acho que a gente precisa segmentar, justamente, para poder avançar por quê? Porque nós vivemos sob a ideia de universalidade e a ideia de universalidade fez com que as nossas diferenças fossem diluídas quando nossas diferenças são diluídas a primeira coisa que vai acontecer que eu não reconheço uma diferença essencial, em mim, no meu corpo, no meu meio, e assim por diante, que eu sou criado com a ideia de que somos todos iguais, mas quando eu vou ver, por exemplo, na escala do direito, o que vai acontecer que nós somos tratados de maneiras diferentes. Maneiras diferentes e desiguais. Desiguais de maneira desmedida, porque tem um princípio no direito público que é: ‘Aos iguais com igualdade, aos desiguais a medida da sua desigualdade’. No que a gente fala que a política de cotas é importante, porque na medida da desigualdade que foi retirado o povo negro, é a cota que vai trazer de fato a noção da igualdade, uma noção de equidade para esses grupos que vão se segmentando. Eles justamente se segmentam, porque precisam reconhecer aquilo que vai fazer com que se sintam pertencentes. Eu não posso, por exemplo, num grupo … até posso fazer, mas fazer isso antes de uma pessoa trans, de um homem trans se perceber que é trans, porque ela tem problemas específicos em relação a sua identidade, ao pertencimento, ao seu corpo, que muitas vezes ele só vai conseguir tratar entre seus iguais. Ele não vai conseguir tratar, por exemplo, com homens cis, hetero, de classe média, porque ele não passou por aquilo. Por que homens negros passam a se encontrar? Porque eles precisam dizer da dor que é sair na rua, de portar uma mochila, de entrar num supermercado sem que ele seja revistado. Coisa que os brancos não vão fazer, mas eles precisam estruturar esse pensamento, eles precisam estruturar essa ideia de pertencimento, identificação, para que a gente possa dar um passo. Nós ainda estamos a passos lentos do ponto de vista dessas lições das masculinidades, por isso

que, talvez, a gente diga: ‘Mas será que é preciso fragmentar tanto?”. Você precisa fragmentar, para que depois você possa se inserir do ponto de vista. Quando você começa a ter resultados, do ponto de vista de políticas públicas de inserção no mercado de trabalho, de direito a saúde para todos e todas da mesma maneira, daí você pode falar assim, com agora chegou a hora da gente praticar, conversar com os nossos diferentes, até o momento estavam sendo tratados como iguais, mas a gente não era. Mas agora a gente alcançou o patamar de equidade, aqui eu estou falando para daqui duas gerações, possivelmente a gente não vai viver isso.  O homem negro não sabia, por exemplo, do seu nível de exclusão, o acesso à informação, o acesso às redes, o acesso ao conhecimento, de tudo que as feministas vêm fazendo desde a década de 60, e assim por diante, vai fazendo com que a gente passe a enxergar qual é o problema. Quando eu fui pra universidade, precisei lembrar várias coisas: de que eu vinha de uma família negra, de que eu vinha de uma família periférica, de que eu vinha de uma família que era provida 80,90% só por mulheres, porque os homens não estavam lá. Talvez você pergunte, porque no momento que a gente precisa se unir, está todo mundo se separando?”.

Paulo Azevedo: “Exato”.

Fábio Mariano da Silva: “E tem uma coisa que lembrei, neste momento, nesta fase, estão disputando narrativa. E vou falar agora do ponto de vista da masculinidade desse ponto de vista, o que a gente está querendo é romper com padrões. Romper um padrão que é branco, romper um padrão que é cis gênero, romper um padrão que é economicamente de classe média, e assim por diante. Disputar narrativa indica que você precisa estabelecer uma relação com os seus, porque senão como é que eu vou saber o que aconteceu em África? Que aconteceu durante a diáspora? Por que até então, a história universal, foi contada para a maioria, eu preciso começar a contar outra. Eu preciso recontar a história que eu preciso implodir, eu preciso insurgir contra essa história, a gente precisa na política do reconhecimento, saber quem são os nossos. Depois vem um segundo momento, Paulo, que é, sabendo quem são os nossos, que é apolítica das alianças, precisa fazer aliança. Daí você vai fazer, buscar lá quem são seus aliados na disputa política em torno de uma sociedade que seja equânime em direitos”.

almasculina é feito por:

Idealização, roteiro, edição e apresentação: Paulo Azevedo (@pauloazevedooficial)

Trilha sonora original, e mixagem: Conrado Goys (@conza01)

Identidade visual e arte: Glaura Santos (@glaurasantos)

Fotos: Vitor Vieira (@vitorvieirafotografia)

Realização: Comcultura.

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